Por Henrique Nunes, jornalista do Diário do Povo, Campinas -SP
“O cigarro de James Dean era o primor das cocotinhas desvairadas, virgens desbocadas prontas para o abate. O charuto inseparável de Ernesto Che Guevara gerenciava (e ainda gerencia) a calmaria na trincheira inconstante de estudantes de esquerda. Afinal, o cigarro é a maneira disfarçada de suspirar, disseram um dia os pulmões inflados do poeta Mario Quintana.
Fumar é a representação blasfêmica da influência involuntária. Por isso, a depender do cliente, fumar pode ser belo como Dean, revolucionário como Che ou poético como Mario. Mas nada disso mais parece importar. A onda agora é dizer que o cigarro com selinho industrial é somente o câncer capital da indústria do consumo. E isso não é moralismo social, é tabagismo moral, é consciência banal de que somos caretas quando o assunto é ser autêntico. Em suma, fumar sempre foi o hábito desabitado de nossos “eus”.
Fazer o que, se botar cinza no peito tem outros tipos de efeitos sobre a nossa consciência? Dizem que a cada baforada da globalização um novo óbito é posto na escala mundial das estatísticas. E o que isso importa se o trago intragável das campanhas contrárias não consegue convencer que não fumar é melhor do que sentar no ponto de ônibus e acender um cigarro? Não há outra maneira de ser Dean, Che ou Quintana a não ser durante os 5 minutos em que a brasa se perpetua.
Ah, e convenhamos, há de se admitir que para muita gente é sempre bom ter a companhia silenciosa das companhias de tabaco. Ou você, fumante como eu, vai dizer que não é bom tragar ao tom de Tom e saborear a cólera de saber que se está morrendo, embora podendo deixar na memória a imagem imortal de uma sexy tragada?. Mas fumar, diga-se, é a pedagogia persistente da personalidade. Aprendemos a tragar com o tempo e com o tempo aprimoramos o “nosso” jeito de fumar.
O fato é que, com ou sem bar, com ou sem lei, com ou sem olhares desconfiados, nada apagará a chama incendiada por Dean, Che, Quintana e todos os outros anônimos ou famosos que já inflaram os pulmões para exaltar o óbvio: o cigarro faz mal e eu o quero mesmo assim. Assim, sem o receio de mandar à mesa ao lado uma fumaça que apenas me pertence, darei um jeito para pitar seus prazeres sem levar de prêmio um inconveniente sorriso amarelado.
Se o tabaco é questão de saúde pública, usarei a minha privacidade para burlar a militância que botou fogo nessa história. Por enquanto, seja aonde for, continuarei acendendo este carcomido canudo branco para por em prática as cinzas da minha incoerência.”
Símbolos... sempre procuramos faces estéticas para representar nossa "transgressão": jeans, camiseta, moto, cigarro. Mas não esqueçamos que tb se pode listar as figuras despresíveis que ostentam os mesmos símbolos... Eu tenho o uisque e a cachaça como prazer, fume, mas esse papo de cigarro com simbolo de rebeldia é datado demais pra mim...
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